Dona Maroca chegou
do banco onde foi buscar a aposentadoria, sentou-se ao sofá, ligou o celular e
ficou na dela, fazia poucos dias que havia aprendido a mexer no aparelho, no Face,
no zap, se enrolava, mas não desistia. Chegava a ter receio quando recebia
notificações de acesso, como se fosse invasão de privacidade, sobretudo quando
vinha de pessoas que ela não conhecia, havia anexado a sua página sem saber
como. Achava um desrespeito quando alguém lhe cutucava, não havia dado aquela
intimidade nem para o marido que morrera há mais de vinte anos, não sabia por
que a pessoa se achava naquele direito, mas estava disposta a ser igual a todo mundo.
Os netos chegaram do
colégio, falaram com ela e não tiveram resposta, depois a filha, mas ela não
respondeu. O genro chegou para o almoço, ela nem olhou para ele, aliás, não
olhou para ninguém, compenetrada em descobrir os mistérios desses novos tempos.
Chamaram-na para
almoçar, ela nem respondeu, quinze minutos depois fizeram uma reunião na
cozinha: marido, mulher, os três filhos e a moça que trabalha na casa, ninguém
verdadeiramente preocupado, estavam achando graça somente naquela atitude. O
genro falou que não iria esperar ninguém para almoçar e sentou-se a mesa, os
outros o acompanharam, a filha ficou receosa, mas acompanhou a família.
- Mamãe, venha
almoçar.
Ela não respondeu.
- Ela só vai se
levantar dali depois que aprender a mexer no celular - disse o genro.
- Então vai demorar
- respondeu a neta e todos riram.
Cinco minutos depois
foi a vez do mais novo:
- Vovó, venha
almoçar.
Em seguida chegou
uma mensagem em seu celular:
“Já almocei.”
- Ela tá dizendo que
já almoçou.
- Que história é
essa, mamãe? Almoçou onde?
Ela não respondeu.
- Desde que chegou
do banco que ela está assim – disse a filha.
- Ela foi pegar a
aposentadoria? - perguntou o mais velho.
- Foi.
Nem bem terminou o almoço
o rapaz se levantou e foi até a avó na sala.
- Vó, a senhora pode
me dar hoje a grana do inglês?
Foi como se ninguém tivesse
falado com ela. O gelo foi tão grande que o rapaz ficou constrangido e voltou
para a mesa.
- Acho que vovó está
com problema.
- Será que ela está
com Alzheimer?
- Não fala besteira,
filha – disse o genro – tua avó tem mais saúde que a gente.
A filha resolveu
tirar aquilo a limpo, foi à sala.
- O que está
acontecendo, mamãe?
Dona Maroca
continuou mexendo no celular como se estivesse sozinha na sala.
- Por que, mamãe?
Foi alguma coisa que fizemos pra senhora? Porque a senhora está assim, tão calada?
“Porque estou viva!”
– foi a mensagem que a filha recebeu no celular.
Dona Maroca ficou
uma semana calada, respondendo o que era conveniente apenas pelo celular, não
deu mesada pra ninguém, e só voltou a falar quando compreenderam que para ela a
atenção e a voz humana são mais importantes que qualquer coisa.
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