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LITERATURA E SEXO

No meio da aula, enquanto uma aluna lia em voz alta o texto que ele havia mandado, Tácito correu a turma com os olhos distinguindo entre as garotas, aquelas com quem gostaria de fazer sexo. Aquela porque tem os olhos lindos, amendoados, outra porque tem pernas lindas, uma porque é sensual, aquela outra uma boca de matar... Assim ia fazendo sua seleção, mesmo que fosse mero exercício intelectual, distinguia, avaliava, escolhia, chegar junto era outro problema. 
   Assim como analisava os textos, analisava as alunas. Desde que leu depoimento de um velho ator do cinema nacional, citando não sei quem, de que para o homem é impossível deitar-se com todas as mulheres do mundo, mas que deveria fazer o possível, que tomou a frase para si, mesmo que não fizesse o esforço físico para isso.
Naquela tarde ele repetia seu hobby, havia duas garotas em especiais: uma, magra, olhos vivos brincando nas órbitas como a convidá-lo ao flerte; outra, um pouco acima do peso, uma sensualidade desleixada, olhar castanho mortiço, deixando cair displicente do ombro queimado de sol, sobre o braço roliço, a alça fina do top preto. Mostrava o ombro livre e abaixo a barriguinha de vinte anos, que parecia não se preocupar com dieta. Das duas, a menos elegante, mas a mais sensual, até no jeito de morder os lábios e olhar de baixo para cima, como se fosse tímida...
— Algum problema, professor?           
Perguntou Dandara, a gordinha sensual, ela mesma, chamando-o à realidade, só aí percebeu que a aluna havia terminado a leitura e todos esperavam espantados, ou zombando, que ele voltasse à realidade.
— Desculpem, tenho andado cansado.
Mentiu. Não era cansaço, no máximo, fastio. Para ele a literatura era indispensável, mas a vida ainda era mais bela. Ele precisava dar vazão à vida.  
Voltou à aula e repetiu a cantilena de tantas vezes, sobre o autor, o texto, variando aqui, acolá, misturando os seios de Ana com as pernas da Camila, a boca de Carol, os joelhos da Bruna, mas o mesmo texto, contexto, imagens, elemento surpresa, estilo, narrador oculto, Capitu, Clarissa, Iracema, Diadorim, Lúcia Macartner, Gabriela, Tereza Batista Cansada de Guerra... Elas também a lhe perturbar os sentidos.
Terminou a aula, deu boa tarde, levantou-se. Enquanto juntava os livros, Dandara se aproximou.
— Você deve estar muito cansado, professor, ou então, apaixonado. Porque viajou legal...— disse sorrindo.
Se soubesse que a viagem era com ela...
— É, preciso descansar.   
— Confesso que tive vontade de rir, como os outros, mas fiquei preocupada...
— Eu estou bem...
— Quem sabe, precisa tirar umas férias.
— É verdade.
— Mas vai nos abandonar, no meio do período?
— Eu não disse que iria tirar férias.
— Pelo amor de Deus. As aulas estão tão boas.
Riem.
— Seria bom procurar um médico.
— Não foi nada.
— Quero vê-lo inteiro na próxima semana.
— Você verá.

Quem sabe não estava na hora de procurar um médico. Afinal, não era adolescente, havia entrado nos quarenta, sequer um exame de próstata jamais fizera... Sabia pelas estatísticas, que os solteiros morrem mais cedo porque se cuidam menos, não têm com quem se preocupar.
No sábado, após o almoço, tocou o telefone.
— Alô!
— E aí, professor, como está?
Era ela, Dandara, ainda preocupada com ele.
— Estou bem. Não se preocupe.
— Posso passar mais tarde para vê-lo?
— Onde?
— Aí, no seu apartamento.
— Você quer passar aqui?
— Mas tem que ser hoje.
— Tudo bem.
— Às quatro horas, está bem?
— Está.
— Marcado então.
Ele agitou-se. Afinal o encontro que fantasiara estava prestes a acontecer.

Não era a primeira vez que recebia uma aluna em seu apartamento, mas aquela... era diferente, admitia. Também não era o Don Juan de suas fantasias, nem um pedófilo, todas sempre tiveram mais de dezoito anos e foram poucas. Mas aquela garota... Ele não sabia o que a fazia especial, não era a mais bonita, nem a mais inteligente, nem a mais elegante... Estava a poucas horas de descobrir aquela diferença, por isso a ansiedade.
Olhou para o apartamento, estava uma zona, para o relógio, havia passado das duas. Resolveu fazer uma arrumação básica para que ela pudesse, pelo menos, transitar livremente pela sala.
Depois entrou no banheiro para um banho. Foi lá, enquanto a água jorrava em sua cabeça que lhe veio o pânico. Preocupação que nunca sentira: Será que ele daria conta da garota? E se por baixo daquela placidez existisse um furacão de mulher? Afinal, ele não era nenhum jovem, havia batido os quarenta, quase cinquenta, já estava no segundo tempo.
Resolveu que não queria correr risco. Saiu do banho apressado, vestiu-se, correu à farmácia.
Procurou um balconista mais velho, sussurrou:
— Viagra.    
O balconista, acostumado a atender cavalheiros angustiados, levou-o para o fundo da farmácia. Conversaram como se estivessem comprando e vendendo cocaína, ou outra droga ilícita.
De posse do amuleto correu para casa. A dúvida era se tomava imediatamente, ou se deixava à garota chegar primeiro. Quem sabe, ela demoraria, ou mesmo, nem viria. Era mais prudente esperar.
Para acalmar-se abriu o jornal e foi ler o caderno destinado aos livros. Já havia feito cedo, mas deixara uma matéria para depois.
A cada minuto consultava o relógio, parecia um adolescente. Não sabia por que tanta ansiedade, não era a primeira vez que recebia uma aluna em seu apartamento, já havia se prevenido contra alguma surpresa não eretiva, arrumado o ambiente, tomado banho, se perfumado... E se ela não gostasse do seu perfume? E se não gostasse do seu apartamento? E se ela não viesse? Talvez fosse esse o problema. Mesmo que tenha ligado, marcado, ele não acreditava que ela pudesse vir. Estava sofrendo uma insegurança que jamais experimentara. Talvez fosse a idade... Dela. Vinte anos, no máximo. Muito distante da sua. Não, não era isso, já havia tido encontros...
Era insegurança pura. Pronto. Tinha que dar o braço a torcer. Estava gostando daquela garota mais do que esperava. Só podia ser isso que fazia seu corpo tremer, a boca secar, e os minutos espicharem.
O interfone tocou. Atendeu rápido.  O porteiro avisou que era Dandara.
— Manda subir – disse seguro, só ele sabia o que sentia.
Respirou. Precisava fingir calma. Inspirou, expirou, duas, três, quatro vezes, profundamente, pra relaxar.
Ao ouvir a campainha, abriu a porta.

Lá estava Dandara com seu sorriso lindo, atrás dela... O pai? Devia ser o pai.
Por quê? O que estava acontecendo? Será que tinha feito algo errado? Por que aquela garota achou que o pai seria bem vindo naquele encontro?   
— Professor, esse é meu tio, médico em Londrina e vai voltar amanhã. Pedi para que viesse lhe ver.
— Entrem, por favor.
— Eu falei pra minha sobrinha que as coisas não são assim, que o senhor deve ter seu médico, que devia ser consultado sobre nossa visita.
— Eu falei pra ela que estava bem.
— É, esses esquecimentos podem não ser nada, mas podem ser um sintoma. Mesmo tendo passado, o senhor deve procurar um médico.
— Mas tio, o senhor é o médico.
— Sim... O senhor mediu sua pressão de ontem pra hoje? 
— Não.
— Permite?
— Pois não.
O médico abriu a maleta, tirou o estetoscópio, o professor sentou-se e entregou o braço para ele.
O médico mediu a pressão...
— Pressão de garoto.
O professor olhou para a aluna vitorioso.
O médico auscultou o coração, os pulmões...
— Que mais o senhor sentiu, além do alheamento?
— Nada.
— Foi a primeira vez que ocorreu?
— Foi.
— A princípio está tudo normal. Mas como nunca se sabe, aconselho que procure um médico regularmente, que faça os exames, você sabe, próstata, colesterol, é sempre bom manter em dia.
— Está bem.
— Eu amo minha sobrinha, faço sempre o que ela quer, mesmo assim achei invasivo vir aqui sem o senhor saber, de surpresa...
— Ah, tio, tive receio dele não aceitar.
— Não iria aceitar mesmo.
— Não disse.
— Ela falou que o senhor é o melhor professor da faculdade.
— Exagero dela.
— Não é não, professor. Todo mundo ficou preocupado com você. Achei que podia ajudar trazendo o tio aqui.
— Obrigado, Dandara, por sua preocupação. Mas como vê, estou um garoto, como seu tio mesmo disse... Afinal, como se chama? Não nos apresentamos.
— Alan.
— Foi um prazer conhecê-lo, Dr. Alan, muito obrigado.
— E seu nome?
— Tácito.
— Ô, tio, falei que era o professor Tácito.
— Você falou que era seu professor de literatura.
— É que o senhor não lembra.
— Está bem. Vamos embora.
— Vamos – disse ela.
— Não aceitam alguma coisa, um suco, uma cerveja?...
— Não, professor, obrigado. Tenho que ir embora.
— Obrigado mais uma vez.
— Desculpe minha sobrinha, professor. Ela estava realmente preocupada com o senhor, por isso vim.
— Fico lisonjeado com a atenção de vocês.
— Tchau, professor!
— Tchau, Dandara. Até a próxima aula.
— Agora eu fico mais tranquila.
Levou-os ao elevador. Partiram e ele retornou não sabia se decepcionado, ou aliviado. Teve vontade de rir. Vergonha de sua ansiedade. Abriu uma cerveja, sentou no sofá, e enquanto tomava o primeiro gole, pensou: a vida é literatura barata.


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