Geralmente quando
assisto a algum espetáculo contemporâneo, experimental, penso, contemporânea e
experimental é Nelson Rodrigues. A montagem atual de Boca de Ouro, no SESC Ginástico, nos assegura, mais uma vez, que o
Nelson será sempre contemporânea e experimental.
Dessa vez é Malvino
Salvador quem encarna o Boca de Ouro no
belo espetáculo que traz a marca indistinta do diretor Gabriel Villela, e
revela aquilo que para Nelson era uma característica de sua obra, o humor,
apesar do horror da história e da criminalidade carioca que hoje foi elevada ao
quadrado, a gênese estava lá e Nelson soube captar como nenhum outro.
Antunes Filho,
depois de montar algumas peças do pernambucano mais carioca que conhecemos, disse
faz tempo que as obras de Nelson Rodrigues não têm fundo, que quanto mais se aprofunda,
mais fundo elas têm.
Suas peças revelam
o mais recôndito de nossas almas, por isso incomodou tanto as pessoas no
momento em que foram lançadas. Elas mexem com nossas mazelas morais, essa coisa
louca, contraditória, inconsequente, corrupta, que nos espanta quando surge do
nosso lado, mas que perdoamos quando o infrator é nosso líder, nosso amigo,
nosso companheiro de ideais, aí está nossa tragédia nacional, no homem rodriguiano
da Zona Norte do Rio de Janeiro, na sua luta pela sobrevivência, no medo da
pobreza, na linha tênue entre o bem e o mal, no medo da violência urbana. Nelson
apresenta seus personagens sem nenhum pudor, crus, patéticos, trágicos, mas verdadeiros
até à medula, sem concessões, por isso apanhou da esquerda e da direita.
Por ser um homem
conservador foi apontado pela esquerda como uma aberração de direita, por ser
um artista revolucionário, foi apontado pela direita e pelos outros
conservadores como uma aberração social. Ele recebeu as agressões de todos os
lados, mas nunca cedeu ao sucesso fácil, nem a bajulação, se impôs como o
dramaturgo extraordinário que é, e um dos melhores textos do nosso jornalismo.
A montagem do Gabriel Villela faz
jus ao texto e transporta-o para novos contextos, novas dimensões. Podíamos querer
mais de um, ou de outro ator, mas isso fica em segundo plano diante a força do
conjunto, eles são os homens e as mulheres de Nelson Rodrigues e do Brasil. Boca de Ouro está em cartaz no SESC Ginástico e fica até 25 de fevereiro.
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