Pular para o conteúdo principal

Total de visualizações de página

PIAF & BRECHT, QUERO AINDA


Quando escrevo sobre teatro não é porque sou crítico, antes tenho o hábito de tecer somente sobre o que gostei, porque deixo aos críticos a tarefa que lhes cabe. Mas sábado fui ao Teatro Prudential, antigo Adolfo Bloch, assistir “Piaf & Brecht, a vida em vermelho”, com Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto. A junção que pelo inusitado nos traz grandes expectativas, o encontro entre a razão e a emoção, mas o espetáculo entrega menos do que promete.

Ele propõe uma brincadeira que a plateia não entende e se entende não embarca. O texto diz que se trata de um ensaio e propõe um concurso para um futuro espetáculo, como uma disputa num programa de auditório. A plateia deverá decidir depois de ouvir as histórias e as canções de Edith Piaf e Bertolt Brecht, qual delas deverá ser encenada, como se a plateia não conhecesse, ou tivesse dúvidas sobre a criação dos dois artistas.

A partir dessa proposta começam os equívocos, porque a direção em vez de aliviar, exacerba os defeitos do texto, inclusive com cenas de plateias desnecessárias. As músicas todos conhecem e estão bem executadas, Sabatella está bem e dá o recado quando canta, mas de resto as coisas ficam a desejar.

No momento mais dramático da peça, quando Piaf recebe a notícia da morte do grande amor de sua vida, o pugilista Marcel Cerdan, em desastre de avião, a direção põe a atriz no centro do palco para cantar "Hino ao Amor", mas antes de chegar ao meio da música Sabatella/Piaf se recusa a continuar porque não deve mandar sobre a plateia tanta emoção, naturalmente seguindo o conceito de distanciamento brechtiano, onde o espectador deve se distanciar da emoção para ter a devida percepção crítica sobre o que assiste. Neste momento o ator/Brecht exige que ela termine a música, mas a atriz foge para a plateia, o ator vai atrás e a traz amarrada numa corda, coloca-a na cadeira e diz: "você vai cantar porque já pagamos ao ECAD."

Bom, se era para fugir da emoção e fazer piadas tão bobas, porque juntar Piaf e Brecht? Mas aí vem a resposta da plateia, ao fim de todas as músicas anteriormente executadas a plateia havia aplaudido espontaneamente. Nessa da corda a plateia não aplaudiu, o que exigiu que o ator pedisse o aplauso. Ele achou que deveríamos aplaudir. Achou (contrariando Brecht) que não deveríamos ter senso crítico.

Assim vão se acumulando os equívocos, Sabatella oferece o microfone para as pessoas que só queriam ouvi-la, não estavam ali para participar de um programa de auditório, pelo menos, não foram seduzidas em nenhum momento para aquilo. Permaneciam todas burguesamente esperando o que vinha do palco.

É uma pena, porque com uma direção mais acertada poderia ser um grande programa. Quem sabe, Sabatella conversando e ouvindo a plateia, como faz ao final, tenha oportunidade de corrigir os equívocos e colocar o espetáculo no rumo certo. No sábado uma senhorinha lhe disse: “senti falta da Dietrich cantando Lili Marlene, já saindo na porta tive vontade de gritar: "eu também!" É que a Marlene Dietrich também aparece no espetáculo, e até agora estou querendo entender por que.

Mas não se deixe levar por essas opiniões, se você gosta de Piaf e Brecht deve assistir e tirar suas próprias conclusões.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

AVELOZ NA CURA DO CÂNCER

Aveloz é planta conhecida como dedo do cão, dedo de anjo, graveto do cão, canela de frade, cega-olho, figueira do diabo, árvore de São Sebastião e gaiolinha, entre outros apelidos. Cientistas e médicos brasileiros estão testando em humanos o potencial da planta no tratamento do câncer.

30 ANOS DEPOIS

Trinta anos depois volto a trabalhar com Bia Lessa, desta vez na sua visceral adaptação do épico de Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas .

O QUE O DINHEIRO NÃO PODE COMPRAR?

D inheiro compra até amor verdadeiro , disse Nelson Rodrigues, nosso maior dramaturgo, jornalista e frasista dos melhores, mas Nelson não era rico, falou sem conhecimento de causa, mesmo que tivesse perscrutado o mais recôndito de nossas almas e tivesse observado como poucos a vida social, mas ainda assim, não teve dinheiro para comprar tudo. Lembrei-me de sua frase depois de ler o que escreveu John D. Rockefeller, em 1909, este sim, o primeiro bilionário de verdade dos Estados Unidos, escreveu ele: a novidade de ser capaz de comprar o que quiser passa rápido, porque o que as pessoas mais procuram não pode ser comprado .

MEU PAI

Não conheci meu pai, ele morreu me deixando com um ano e quatro meses e meu irmão com seis meses, depois disso fomos morar com nossos avós maternos, nos criamos chamando nossos avós de papai e mamãe, e nossa mãe de Tetê, como todos a chamavam, mesmo sabendo que era nossa mãe. Hoje ela tem 90 anos e continua ativa fazendo o que quer, e sou feliz por isso. Seu Francisco, meu avô, substituiu meu pai e a família nos encheu de carinho para que não nos

DO TEATRO AO CINEMA

Aos amigos que sentiram minha ausência nessas sete semanas informo que foi por uma boa causa. Além das viagens que fizemos com a peça "Grande Sertão Veredas" nos primeiros quinze dias de setembro por Manaus (Festival Passo a Paço), Santos (Festival

MEU PERSONAL TRAINER

Personagem: Medeiro Vaz Foto de Lorena Zschaber De repente me vi obrigado por necessidade profissional a ter um corpo ágil e forte. Precisava enfrentar como ator a maratona que é o espetáculo Grande Sertão: Veredas . Convoquei meu filho Henrique e em poucos meses me vejo seguro para enfrentar os ensaios e apresentações do visceral espetáculo. O resultado disso foi que... - Aumentei minha força. - Aumentei minha massa muscular . - Melhorei minhas condições cardiorrespiratórias. - Tenho mais disposição. - Melhorei minha flexibilidade. Treinador Henrique Monteiro - Reorientei minha dieta, porque não adianta você se esforçar tanto fisicamente, se não compensar o desgaste de suas energias com uma dieta que mantenha as necessidades de seu novo corpo, novo corpo sim, mesmo que isso não fique claro para quem veja. Aprendi até a ingerir whey. Agora não para mais.