Antes a Terra inteira era nossa casa, desfrutávamos dela como iguais entre as coisas e os outros animais. Tratávamos tudo e todos como iguais, mesmo que fôssemos obrigados a comer alguns para sobreviver, mas também fazíamos parte da cadeia alimentar, fazia parte do jogo.
Certamente que não era fácil, mas sabíamos nosso lugar, caçávamos o que podíamos e corríamos para não sermos caçados. Vivíamos na maior adrenalina, e pensávamos como os frequentadores dos Alcoólicos Anônimos, "mais um dia!" Ganhando cada dia como se fosse o último. Se trovejava corríamos para a toca tremendo de medo, sem saber o que fazer. E quando o dia era lindo, também não podíamos dar bobeira, precisávamos correr literalmente atrás de nosso almoço. Mas o planeta era nossa casa.
Conversávamos com uma montanha como se fosse um parente próximo, entendíamos seu bom, ou seu mau humor, como ela entendia o nosso. Assim fazíamos com as árvores, os rios, as ondas do mar, com as nuvens, conhecíamos ao amanhecer se aquele dia seria bom ou ruim, apenas observando o humor desses irmãos.
Um dia alguém descobriu que seria melhor um pequeno pedaço da terra que fosse só nosso, do que ter a Terra inteira. Um pedaço onde pudéssemos ser o rei, defendê-lo com unhas e dentes, e até matar os invasores se preciso fosse. Logo todo mundo achou aquilo bom, e começamos a pegar nossos pedaços, a demarcar, cercar e nos pusemos lá como reis.
Passamos a tratar mesmo os da nossa espécie como inimigos, invasores, entravamos em guerra se quisessem se aproximar de nosso pedaço de terra. Não importava se havia terras e mais terras espalhadas por todo o planeta. As terras que tinham dono eram mais cobiçadas, não sei se devido a nosso instinto beligerante, que nos levava a querer os pedaços dos outros. Quem sabe fazíamos por diversão mesmo, para nos sentir melhores. Nossos pedaços de terra viraram povoados, reinos, cidades, quando menos esperamos éramos donos de um país, e precisávamos defendê-lo, mas agora com canhões, submarinos, bombas atômicas.
Nessa caminhada nos afastamos dos outros irmãos, aliás, deixamos de considerá-los assim, passamos a tratar nós como humanos, e eles os que não têm humanidade. Fomos destruindo as matas, poluindo os rios, os mares, desde que cada um pudesse enriquecer no pedaço de terra que havia conseguido. Logo descobrimos que mesmo existindo terras de sobra no planeta, havia muita gente sem um pedacinho sequer, impossibilitando suas famílias sobreviverem. Mas seguimos com nossa caminhada, indiferentes as necessidades dos que nada tinham, incapazes de nos sensibilizar diante do sofrimento dos outros, no máximo dando uma esmola para nos sentirmos confortáveis, com o dever cumprido.
Criamos deuses para reverenciar e para nos socorrer na hora do aperto, sempre achando que nosso Deus era mais poderoso e mais generoso que os deuses dos outros.
Mas um dia acordamos sobressaltados com a notícia de que um monstro invisível vinha em direção de nossa cidade para nos aniquilar. Não havia remédio, armas, bomba atômica, nada que já havíamos criado para nos defender, que desce conta do monstro, que o contivesse em sua caminhada sorrateira para nos destruir, e com medo nos trancamos em casa. Fizemos como faziam nossos irmãos lá no princípio com medo dos trovões.
Descobrimos que apesar de tudo que fizemos, de toda destruição para dominar o planeta, que continuamos os mesmos desvalidos e ignorantes diante dos mistérios da mãe Terra, certamente um pouco mais arrogantes, mas com o mesmo temor de morrermos diante de um monstro incompreensível, invisível, que agora veio da China. Mas não demora virá da América do Norte, da Europa, ou de algum país ao redor, quem sabe, do inferno verde amazônico, tão agredido ultimamente.
Quem sabe não será de lá, do seio da destruição amazônica, que virá o monstro invisível, definitivo, que nos aniquilará para sempre com nosso egoísmo, nossa ganância, nossa empáfia e nossa estupidez?
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